quinta-feira

Trechos de um sonho.


A impressão. A mesma daquele dia, um frêmito ar banhava o alpendre. Estaria mais fresco o dia pela limpeza? Ou talvez pela ocasião? Pelo alívio que somente o tempo traz?

Este dia passado que agora tombava o instante em nada, em recordação, passava de frescor e trincava-lhe os ossos (era desaconchegante). Nunca esqueceria o momento abrupto da discórdia. O choque. A mudança. Parecia enfim tão irreal! Dos momentos passados ficou uma impressão, breve como um sopro. A medida dos doces já eram mais exatas, e grande parte de suas lembranças eram agora compotas e um relicário de gostos, em forma de bentinho pendurado no pescoço. Aprendera com o paladar a identificar pessoas.

Pois foi assim.” , afirmou convicta de aceitar, “Tinha que ser.”, reafirma certeira, enquanto as dúvidas sentadas sobre a mesa, potes, tanque: cercavam-na. “Poderia ser diferente...”, resiste em pensamentos. O vento oscila fazendo com que o João-de-barro menei, do galho para sua casa, no abacateiro. Assim ela, sorrateira como uma “passarinha”, abrigou-se naquilo que deu nome de lar.

O vento cerra a porta.

A natureza deveria ser viril”, afirma. Desde aquele dia, a vida parece menos confiável e o tempo não ajudou. Pensou no passarinho, que agora protegido, “Quantas fêmeas teriam sido enclausuradas por traição?”, mas ela não traíra, pensando hoje, mesmo se houvesse, ninguém teria o direito de a excluir. Mas a própria casa era um mundo, que ela nunca tivera antes, o mundo dela. Não precisava que entendessem, não se entende solidão quando se ignora a vida. Desde o momento em que sua filha deixou a casa, a solidão companheira circundava dúvidas em que ela nunca tivera tempo de pensar. Sempre tão asfixiada nos figos, morangas, laranjas, a tudo que pudesse extrair uma essência, que pudesse ter um valor. Mas ela nunca tivera o seu, o seu valor, esquecera em algum pote a vaidade, mas sua imagem refletia agora no vidro da estante (ela tocou a face, atrás os potes). “Teria sido melhor!”

2 comentários:

De Homem pra'homem disse...

Quadro: Claude Monet.

Name: Camille Monet at the Window,

Argentuile - 1873

Leili disse...

Bravo! Bravo...
Pude até sentir os sabores e o vento frio penetrando a pele.
Tenho uma frase para isso, extraída de um texto que montei usando o dadaísmo (Dita Sonoridade):
"Penetrante e corrosivo frio
Anestesiou-me a sensibilidade
Parece-me um sonho a realidade
Sombria análise"